Por que as criptomoedas não conseguem gerar valor a longo prazo?

A transformação deixou de ser uma estratégia e se tornou o próprio modelo de negócio.

Autor: rosie

Tradução: Luffy, Foresight News

A maioria dos fundadores de criptomoedas que conheço já passou por três transformações.

Aqueles que construíram plataformas de NFT em 2021 migraram para projetos de rendimento DeFi em 2022 e, de 2023 a 2024, seguiram a onda dos agentes de IA. Agora, estão ocupados perseguindo as tendências mais quentes do momento (talvez mercados de previsão?).

Não há nada de errado em se reinventar; em muitos aspectos, é uma escolha que segue as regras do jogo. Mas o problema é que essas regras, estruturalmente, impedem qualquer construção de longo prazo.

Ciclo de produto de 18 meses

Narrativa em alta → capital entra → todos seguem a tendência → 6-9 meses de desenvolvimento → narrativa esfria → nova transformação.

Esse ciclo já foi de 3-4 anos, depois caiu para 2 anos, e agora, com sorte, dura apenas 18 meses.

No segundo trimestre de 2025, o volume de venture capital em cripto despencou quase 60% em um único trimestre, tornando o tempo e o capital disponíveis para os fundadores ainda mais escassos antes que a próxima tendência os force a mudar novamente.

A questão central é que 18 meses não são suficientes para construir nada significativo. Infraestruturas reais levam pelo menos 3-5 anos para serem construídas, e o verdadeiro product-market fit exige anos de iteração e aprimoramento, não apenas alguns trimestres.

Mas se você insiste na narrativa do ano passado, vira um “ativo ineficaz”. Investidores te evitam, usuários vão embora, e alguns investidores podem até forçar você a seguir a tendência do momento. E os membros do seu time começam a fazer entrevistas em projetos que acabaram de captar recursos com a narrativa quente do momento.

O viés do custo afundado como mecanismo de sobrevivência

O conselho tradicional de negócios é: não caia no viés do custo afundado; se algo não está funcionando, mude de direção rapidamente.

No setor cripto, isso foi levado ao extremo, tornando-se “maximizar o custo afundado”. Ninguém persiste tempo suficiente em algo para realmente testar se é viável.

Basta um pequeno obstáculo para mudar de direção, crescimento de usuários desacelera, muda de direção, dificuldade para captar recursos, muda de direção.

Todo fundador faz esse cálculo:

• Continuar desenvolvendo o produto atual, podendo levar 2-3 anos para ver resultados, com sorte talvez consiga captar mais uma rodada;
• Migrar para a narrativa quente, captar recursos imediatamente, mostrar ganhos no papel e sair antes que percebam que o projeto não funciona.

Na maioria das vezes, a segunda opção é a melhor escolha.

O dilema do inacabado

Raramente um projeto cripto consegue realmente concluir seus objetivos de desenvolvimento. A maioria está sempre “quase pronto”, sempre faltando uma funcionalidade para atingir o product-market fit.

Mas nunca conseguem terminar de verdade, porque no meio do desenvolvimento a narrativa muda. De repente, aquele protocolo DeFi que você está finalizando perde o sentido, porque todos estão falando de agentes de IA.

O mercado pune o “concluir”: produtos concluídos têm limitações claras, enquanto produtos quase prontos mantêm um espaço infinito para imaginação.

O capital persegue atenção, não resultados

A realidade das captações é clara:

• Narrativa nova + sem produto: capta 50 milhões de dólares;
• Narrativa estabelecida com produto maduro: luta para captar 5 milhões de dólares;
• Narrativa antiga + produto + usuários reais: não capta nada.

O venture capital não investe em produtos, mas em atenção. E a atenção sempre vai para a nova narrativa, não para projetos antigos já concluídos. Hoje, a maioria das equipes está “maximizando o valor da narrativa”, otimizando apenas para contar uma história que capte recursos, sem se importar com o que realmente estão construindo. Concluir significa impor limites a si mesmo; não concluir mantém todas as possibilidades abertas.

O desafio de reter equipes

Seu melhor desenvolvedor recebeu uma oferta com o dobro do salário, vinda de um projeto com narrativa quente; seu responsável de marketing foi atraído por um projeto que acabou de captar 100 milhões de dólares.

Você não consegue competir, porque há seis meses decidiu insistir em concluir o projeto em andamento, abrindo mão da narrativa quente da época.

Ninguém quer trabalhar em projetos estáveis e entediantes; preferem aqueles caóticos, com excesso de capital, que podem desmoronar a qualquer momento, mas também podem render um retorno de 10 vezes.

Atenção do usuário é escassa

Usuários de cripto usam seu produto apenas porque é novo, todos estão falando sobre ele ou há chance de receber um airdrop.

Assim que a narrativa muda, eles vão embora imediatamente, não importa se seu produto melhorou ou se você adicionou as funcionalidades que pediram.

Você não pode construir um produto sustentável para “usuários insustentáveis”.

Conheço fundadores que mudaram tanto de direção que já esqueceram o que queriam construir no início.

Rede social descentralizada → plataforma de NFT → agregador DeFi → infraestrutura de jogos → agente de IA → mercado de previsão. A transformação deixou de ser uma estratégia e se tornou o próprio modelo de negócio.

O paradoxo da infraestrutura

As coisas que realmente sobrevivem no longo prazo no setor cripto geralmente surgiram quando ninguém prestava atenção em cripto.

Quando o Bitcoin nasceu, ninguém se importava, não havia venture capital, nem ICO; o Ethereum surgiu antes do boom, quando ninguém sabia que smart contracts se tornariam o que são hoje.

A maioria das coisas criadas durante ciclos de hype acaba morrendo com o ciclo; já as criadas nos intervalos entre ciclos têm maior chance de sobreviver.

Mas ninguém constrói durante os intervalos, porque não há captação, nem atenção, nem liquidez de saída.

Por que é tão difícil mudar esse cenário?

O mecanismo de incentivos baseado em tokens oferece uma saída flexível. Enquanto fundadores e investidores puderem sair antes do produto amadurecer, eles vão fazer isso.

A velocidade da informação supera a velocidade de construção de produtos. Quando você finalmente termina o desenvolvimento, todos já sabem se aquilo funciona ou não. O core do setor cripto é “agir rápido”; pedir para desacelerar e construir é pedir para negar sua própria essência.

Isso significa que, se você gastar 3 anos construindo um produto, alguém pode copiar sua ideia, lançar uma versão mais simples em 3 meses, mas com marketing melhor, e te superar.

E então, qual o caminho para o futuro?

É difícil criar valor de longo prazo no setor cripto porque, estruturalmente, ele é incompatível com o pensamento de longo prazo.

Você pode ser um fundador de princípios: recusar seguir tendências, manter a visão original, gastar anos — não meses — aprimorando o produto. Mas provavelmente vai acabar sem dinheiro, esquecido, e substituído por quem mudou de direção três vezes enquanto você lançava sua primeira versão.

O mercado não recompensa o “concluir”, só recompensa o “inovar” — inovar repetidamente. Talvez a verdadeira inovação do setor cripto não seja a tecnologia em si; talvez seja encontrar a forma de extrair o máximo valor com o mínimo de conclusão. Ou talvez, a própria transformação seja o produto.