Da zona cinzenta ao mainstream? A batalha pela legalização dos mercados de previsão esportiva e o futuro do setor

À medida que Kalshi e Polymarket direcionam ainda mais seu foco de negócios para o setor esportivo, o mercado de previsões atingiu um ponto de inflexão este ano, com aumento tanto em volume quanto em valor: segundo a mídia, Polymarket está negociando uma nova rodada de financiamento, visando uma avaliação de 12 a 15 bilhões de dólares; já a Kalshi concluiu um novo financiamento no meio do ano, com avaliação da empresa em cerca de 2 bilhões de dólares.

Ao mesmo tempo, as principais plataformas registraram um aumento significativo no volume mensal de transações e usuários ativos diários — de acordo com o Wall Street Journal, em outubro, o volume combinado das duas plataformas aumentou mais de 90% em relação ao mês anterior; além disso, grande parte do crescimento do volume de negociações da Kalshi veio de contratos esportivos, tornando as previsões esportivas o principal motor de seu crescimento.

Impulsionadas tanto pela indústria quanto pelo capital, Kalshi e Polymarket começaram a buscar parcerias oficiais e endosso de grandes ligas esportivas.

Primeiro passo: NHL faz parceria pioneira com o mercado de previsões

A primeira a adotar o mercado de previsões, uma categoria emergente, foi a National Hockey League (NHL), a liga de menor valor comercial entre as quatro grandes ligas esportivas da América do Norte.

No final de outubro, a NHL anunciou um acordo de cooperação plurianual com as plataformas de mercado de previsões Kalshi e Polymarket, tornando-se a primeira liga esportiva tradicional a colaborar com esse tipo de plataforma.

Essa parceria é vista como um sinal de que o mercado de previsões está ganhando cada vez mais atenção da indústria esportiva. Por meio deste acordo histórico, a NHL concedeu à Kalshi e à Polymarket o direito de usar dados oficiais da liga, logotipos e nomes, além de permitir a exibição das marcas durante as transmissões dos jogos.

O diretor comercial da NHL, Keith Wachtel, afirmou que, até o momento, o mercado de previsões não teve impacto negativo sobre os 10 parceiros oficiais de apostas esportivas da liga, mas, ao contrário, trouxe crescimento para todo o ecossistema. Sara Slane, chefe de desenvolvimento corporativo da Kalshi, disse que essa medida valida a legalidade do modelo de negócios da empresa.

O funcionamento das plataformas de mercado de previsões difere das casas de apostas esportivas tradicionais. Essas plataformas permitem que os usuários comprem e vendam contratos de “sim/não” sobre resultados de eventos específicos (incluindo jogos esportivos), cujos preços flutuam dinamicamente de acordo com as expectativas do mercado.

Por exemplo, na Kalshi, os usuários podem negociar contratos como “um time vai ganhar o campeonato?”, com preços variando conforme o andamento do jogo e as probabilidades. Esse mecanismo de negociação é semelhante ao ajuste de odds pelas casas de apostas, mas os contratos de previsão são classificados como derivativos financeiros, sob supervisão da Commodity Futures Trading Commission (CFTC) dos EUA, e não como apostas. Essa diferença regulatória permite que Kalshi e Polymarket operem sem licenças estaduais de apostas esportivas, o que, teoricamente, permite que usuários de estados como Califórnia e Texas, onde apostas esportivas são proibidas, ainda possam acessar o mercado de previsões.

Portanto, a NHL acredita que a introdução do mercado de previsões pode atrair um novo público, mais familiarizado com tecnologia e finanças, permitindo que mais fãs participem dos jogos de uma nova maneira. Por meio da parceria oficial, a NHL também pode ter voz ativa sobre os contratos de mercado relacionados à liga, prevenindo apostas que possam comprometer a integridade das partidas. Por exemplo, mercados relacionados ao desempenho individual ou escalação podem gerar riscos de informações privilegiadas e questões éticas, e a parceria oficial permite que a NHL tenha mais controle sobre esses tipos de contratos.

Além disso, a NHL exigiu que Kalshi e Polymarket cumpram os mesmos padrões de monitoramento de integridade aplicados aos parceiros oficiais de apostas, incluindo o uso de fornecedores de dados autorizados pela liga e sistemas de monitoramento de apostas anômalas. Keith Wachtel enfatizou que a colaboração entre a liga e as plataformas de previsões permite uma melhor proteção da integridade esportiva, pois “como liga, podemos participar da decisão sobre quais mercados podem ser lançados, o que é benéfico para a NHL e para todas as organizações esportivas”.

NBA, NFL e MLB: ceticismo e cautela

Em contraste com a postura aberta da NHL, as outras três grandes ligas esportivas dos EUA — NBA, NFL e MLB — têm sido cautelosas e resistentes em relação ao mercado de previsões.

As três ligas não apenas não estabeleceram parcerias oficiais com nenhuma plataforma de previsões, como também expressaram preocupações sobre essas plataformas por diversos meios. No início deste ano, NBA, NFL e MLB enviaram cartas à CFTC, destacando a importância de proteger a integridade esportiva nesse novo mercado.

A posição da NFL é particularmente representativa. Jonathan D. Nabavi, chefe de políticas públicas da NFL, afirmou em parecer escrito à CFTC que esses contratos “na prática simulam apostas esportivas, mas carecem dos mecanismos completos de integridade e proteção ao consumidor presentes nas apostas esportivas regulamentadas”.

Além disso, David Highhill, vice-presidente de apostas esportivas da NFL, declarou em entrevista à mídia que a liga tratará o mercado de previsões como apostas e teme que “sem regulamentação adequada, possam ocorrer manipulação ou distorção de preços”; por isso, defende que os padrões de proteção e controle de risco devem ser equivalentes aos das apostas esportivas licenciadas pelos estados.

NBA e MLB compartilham opiniões semelhantes. Embora ainda não tenham detalhado publicamente suas posições, suas comunicações com a CFTC e o feedback do setor indicam que suas principais preocupações são a integridade das partidas e a ausência de regulamentação. Eles questionam: se fãs e investidores podem contornar as leis estaduais e apostar nos resultados dos jogos nessas plataformas, como as ligas podem garantir que não haverá uso de informações privilegiadas ou manipulação de resultados?

A cautela das três ligas não é infundada. Especialmente a NBA, que nos últimos dois anos enfrentou escândalos envolvendo apostas baseadas em informações não públicas sobre lesões e presença de jogadores.

De uma perspectiva comercial, as três ligas têm parcerias profundas com casas de apostas tradicionais, investindo muitos recursos para criar um sistema de apostas regulamentado. O modelo das plataformas de previsões, que parece contornar as leis estaduais e acordos das ligas, naturalmente desperta preocupação entre os dirigentes das três ligas.

No entanto, a porta ainda pode ser aberta no futuro. Historicamente, a NFL resistiu fortemente à legalização das apostas esportivas até 2018, mas depois passou a colaborar com o ecossistema regulamentado, mostrando que sua postura pode mudar conforme as condições de regulamentação e controle de risco evoluam.

O presidente da NBA, Adam Silver, tem uma visão mais aberta e, desde o início da legalização das apostas, defende a necessidade de reconhecer e regulamentar o mercado de apostas. Portanto, sua postura em relação ao mercado de previsões provavelmente será flexível, dependendo da existência de um quadro regulatório claro e de um modelo operacional com riscos controlados.

Associação de apostas critica fortemente, focando nos riscos à integridade esportiva

Em comparação com a postura cautelosa das ligas esportivas, a indústria de apostas dos EUA reagiu de forma mais intensa. A American Gaming Association (AGA), principal entidade do setor, tem sido fortemente crítica em relação às plataformas de mercado de previsões como Kalshi e Polymarket.

Após o anúncio da parceria da NHL com Kalshi e Polymarket, o presidente da AGA, Bill Miller, declarou publicamente que a medida foi “profundamente decepcionante e extremamente perigosa”. Ele classificou essas plataformas como “jogos de azar disfarçados de ‘produtos financeiros’”, alertando que a decisão da NHL envia um sinal negativo: como se, no setor de apostas esportivas, integridade, responsabilidade e legalidade clara fossem opcionais.

A AGA afirma que sua maior preocupação são os riscos à integridade dos eventos esportivos e à proteção do consumidor. A associação destaca que os EUA levaram sete anos para construir “o mercado de apostas esportivas legal mais robusto e transparente do mundo”, incluindo monitoramento rigoroso de integridade, medidas de jogo responsável e proteção dos direitos dos consumidores.

Como Kalshi e Polymarket operam nacionalmente, contornando as leis estaduais, acabam evitando a fiscalização e as restrições locais. Miller questiona se essas plataformas possuem os rigorosos mecanismos de conformidade e proteção ao jogador exigidos pelos reguladores estaduais, alertando que podem se tornar terreno fértil para atividades ilícitas.

Por exemplo, sem regulamentação estadual, como garantir que menores de idade não participem das negociações? Como prevenir o uso de informações privilegiadas para apostas ou manipulação em larga escala do mercado? A AGA considera que esses são riscos ainda não solucionados.

A AGA acrescenta que os reguladores de derivativos de commodities não têm a mesma capacidade de monitoramento de eventos e aplicação de penalidades que os reguladores estaduais de apostas, tornando difícil garantir a integridade das partidas sob a jurisdição da CFTC.

Além de criticar as brechas legais exploradas pelo mercado de previsões, a AGA também busca apoio das três grandes ligas esportivas. Pouco após o anúncio da parceria da NHL, a AGA enviou cartas à NFL, NBA e MLB, instando-as a evitar parcerias comerciais com “plataformas de mercado de previsões insuficientemente regulamentadas”. A carta afirma de forma contundente que alianças com tais plataformas podem “destruir os resultados do mercado legal construído nos últimos anos e expor as ligas a riscos de reputação e legais”.

É previsível que a AGA continuará a pressionar órgãos reguladores, legisladores e ligas esportivas para endurecer as políticas sobre o mercado de previsões, garantindo que não haja “vácuos regulatórios ou zonas cinzentas” no setor de apostas esportivas.

Desafios regulatórios e legais: mercado de previsões enfrenta disputas judiciais

Diante das dúvidas e resistência do setor, Kalshi e Polymarket buscam ativamente parcerias e endossos, mas também enfrentam disputas regulatórias e legais de longa data. Nos últimos anos, essas duas plataformas tiveram vários confrontos legais e ações de fiscalização com a Commodity Futures Trading Commission (CFTC) dos EUA e reguladores estaduais, e a definição legal do mercado de previsões segue controversa.

No início de 2022, a CFTC iniciou uma ação de fiscalização contra a Blockratize, Inc., operadora da Polymarket, alegando que a plataforma oferecia contratos de eventos sem registro desde junho de 2020, violando a Commodity Exchange Act (CEA). Esses contratos abrangiam eleições políticas, indicadores econômicos e cultura pop, sendo essencialmente swaps de opções binárias. No entanto, a Polymarket não era uma bolsa registrada (DCM) nem possuía licença de Swap Execution Facility (SEF). Por fim, a Polymarket optou por um acordo com o regulador, concordando em pagar uma multa de 1,4 milhão de dólares e encerrar todos os mercados não conformes em seu site, para evitar novas violações.

Comparada à Polymarket, a disputa legal da Kalshi é mais complexa e ainda está em andamento. A Kalshi é atualmente a única bolsa de previsões registrada na CFTC como “Designated Contract Market” (DCM), o que lhe confere qualificação federal para listar contratos de derivativos de eventos. Desde o início deste ano, a Kalshi lançou vários contratos relacionados a eventos esportivos (como avanço ou não de times, conquista de campeonatos, etc.), sem objeção da CFTC.

No entanto, esses produtos violam as leis de apostas de alguns estados. Reguladores de Nova York, Nova Jersey, Massachusetts, Ohio e outros emitiram ordens de cessação à Kalshi, alegando que seus contratos esportivos equivalem a apostas esportivas não licenciadas e exigindo a suspensão imediata dos serviços a residentes desses estados.

Kalshi não recuou, optando por processar os reguladores estaduais e buscar decisão judicial federal. A principal controvérsia legal é: a lei federal de derivativos de commodities tem precedência sobre as leis estaduais de apostas? A Kalshi argumenta que, como bolsa reconhecida federalmente, seus contratos de eventos estão sob jurisdição exclusiva da CFTC, e os estados não podem interferir com base em suas leis locais de apostas. No processo, a Kalshi afirma que os reguladores estaduais tentam interromper à força negociações autorizadas federalmente, contrariando a intenção do Congresso — a criação da CFTC visa justamente evitar a fragmentação regulatória do mercado de derivativos interestaduais.

Atualmente, a disputa legal entre Kalshi e os estados está avançando para os tribunais federais de apelação. Em junho deste ano, um caso da Kalshi contra o órgão regulador de apostas de Nova Jersey chegou ao Tribunal de Apelações do Terceiro Circuito dos EUA, com 34 procuradores-gerais estaduais apoiando Nova Jersey em um amicus brief.

Esses oficiais jurídicos, de estados que já legalizaram apostas como Nova York e Michigan, e de estados que proíbem totalmente o jogo como Utah e Idaho, concordam que os contratos oferecidos pela Kalshi “são essencialmente apostas esportivas disfarçadas de contratos de commodities”, e que a interpretação da lei federal pela Kalshi visa contornar a regulamentação estadual de apostas, infringindo a soberania regulatória dos estados. Eles enfatizam que permitir que a Kalshi continue esse modelo enfraqueceria o sistema regulatório estabelecido pelos estados desde o fim da PASPA em 2018, corroendo a autoridade das leis estaduais sobre apostas esportivas.

As entidades de interesse do setor de apostas, mencionadas anteriormente, também se posicionaram contra a Kalshi nas disputas legais. A American Gaming Association, como representante do setor, apresentou parecer no caso, destacando que a CFTC não possui a competência adequada para gerenciar apostas esportivas complexas, e que não se deve permitir que a lei federal de commodities cubra apostas esportivas. Alguns representantes de ligas esportivas também temem que, se a Kalshi vencer, qualquer bolsa possa lançar seus próprios contratos de apostas esportivas, dificultando a regulamentação estadual e ameaçando a integridade esportiva.

Por outro lado, a Kalshi insiste que o design de seus contratos ajuda o mercado a “fazer hedge” de riscos esportivos e fornece liquidez, criticando a postura rígida dos reguladores como um “freio à inovação”. O CEO da Kalshi, Mansour, chegou a comparar o cerco de vários estados a um “sistema de censura”, defendendo que o mercado de previsões deveria ser protegido como a liberdade de expressão, o que gerou forte resposta das autoridades.

A disputa legal entre Kalshi e os reguladores estaduais continua em evolução. O resultado não só determinará o futuro dos negócios da empresa, mas também definirá o papel do mercado de previsões esportivas no sistema jurídico dos EUA. No curto prazo, a própria incerteza legal é um grande obstáculo à expansão dessas plataformas.

Entrada e reação: gigantes tradicionais de apostas também miram o novo mercado

Diante da ascensão das plataformas de mercado de previsões, os operadores tradicionais de apostas esportivas não estão apenas resistindo, mas também reconhecendo as novas oportunidades e optando por entrar no setor por meio de investimentos, aquisições ou desenvolvimento próprio, para não ficarem para trás na nova competição.

A principal casa de apostas online dos EUA, DraftKings, tomou recentemente uma iniciativa notável. Em outubro de 2025, a DraftKings anunciou a aquisição da Railbird Technologies e planeja lançar uma nova plataforma chamada “DraftKings Predictions”, oferecendo aos usuários negociação de contratos baseados em eventos reais.

Além disso, a DraftKings anunciou uma parceria com a Polymarket, que atuará como câmara de compensação designada para os produtos de mercado de previsões da DraftKings, sendo responsável pela intermediação das negociações e liquidação de fundos. O CEO da DraftKings, Jason Robins, afirmou que a incorporação da tecnologia da Railbird e o suporte da Polymarket “nos dará capacidade de vencer neste novo mercado em expansão”.

Em vez de resistir, é melhor participar. Alguns analistas acreditam que a entrada da DraftKings no mercado de previsões não só ajudará a empresa a expandir para estados onde as apostas ainda não são legalizadas (oferecendo produtos via CFTC), mas também é uma estratégia defensiva: em vez de ver Kalshi e outros dividirem o mercado, é melhor se antecipar. O preço das ações da DraftKings subiu cerca de 2% no dia do anúncio, mostrando que o mercado financeiro aprovou a estratégia.

Além da DraftKings, gigantes do setor como FanDuel também estão atentos a esse segmento. Segundo a ESPN, a FanDuel já está “pronta para entrar no mercado de previsões”, realizando avaliações técnicas e de conformidade internamente.

Tradição versus inovação: quem sairá vencedor?

De modo geral, a expansão das plataformas de mercado de previsões no setor esportivo está gerando uma disputa entre forças de apoio e oposição. Os apoiadores incluem ligas inovadoras (como a NHL) e investidores atentos às oportunidades (como a DraftKings), que argumentam que o mercado de previsões oferece uma nova forma de interação para os fãs e ferramentas financeiras de hedge de risco, podendo coexistir com as apostas tradicionais se houver regulamentação e medidas de integridade adequadas.

Os opositores, compostos pela maioria das organizações esportivas, reguladores de apostas e partes interessadas, alertam que o mercado de previsões está crescendo “fora do sistema legal existente”, podendo comprometer as proteções de integridade e consumidor construídas ao longo do tempo. As discussões sobre integridade esportiva, jurisdição legal e justiça de mercado são intensas entre os dois lados.

No futuro, com as decisões judiciais sobre os processos da Kalshi, a definição das posições dos reguladores e as declarações de mais ligas, o destino do mercado de previsões esportivas nos EUA ficará mais claro. Se as partes encontrarem um meio-termo (como a introdução de padrões federais respeitando os direitos estaduais), talvez essa novidade possa se integrar ao mainstream e trazer novo dinamismo à indústria esportiva; mas se o conflito se intensificar, o mercado de previsões pode ser forçado a recuar, frustrando suas ambições no setor esportivo.

Como observador neutro, a PANews continuará acompanhando os movimentos da Polymarket e da Kalshi: se conseguirão superar os desafios regulatórios e conquistar o apoio de mais ligas, ou se acabarão ajustando suas estratégias diante da resistência, essa disputa entre tradição e inovação ainda está em andamento. O resultado dessa disputa não afetará apenas o destino das duas empresas, mas também poderá influenciar o futuro da integração entre apostas esportivas e mercados financeiros.